J. R. R. TOLKIEN – UMA BIOGRAFIA (2ª PARTE) – HUMPHREY CARPENTER

“Temo que ser um objeto de culto em vida não seja nada agradável. Porém não acho que isso tenda a nos deixar vaidosos, seja como for, no meu caso, faz com que me sinta extremamente pequeno e inadequado. Mas mesmo o nariz de um ídolo muito modesto não pode ficar totalmente alheio ao doce odor do incenso.”


PARTE 1


PARTE 5: 1925 – 1949 (II) – A TERCEIRA ERA

Havia algo incomum no seu caráter que já se manifestara na criação de uma mitologia que o levava agora a começar esta nova história. O próprio Tolkien tinha plena consciência da semelhança entre o criador e a criação. “Sou de fato um Hobbit”, escreveu certa vez, “em tudo exceto no tamanho. Gosto de jardins, árvores, fumo cachimbo, gosto de comida simples.

De certa maneira, é errado falar dos Hobbits como a “peça que faltava” para que as duas facetas da imaginação de Tolkien, provavelmente começou a escrever O Hobbit logo no início deste período. Seria mais exato dizer que foi apenas quando concluiu e publicou o livro que ele percebeu a significação dos Hobbits, e viu que eles tinham um papel crucial a desempenhar em sua mitologia. Em si O Hobbit começou meramente como mais uma história para diversão. Além disso, quase sofreu o destino de tantas outras, o de permanecer inacabada.

A história começou, portanto, como um simples divertimento pessoal. Com certeza, inicialmente Tolkien não tinha intenção alguma de relacionar o mundo burguês e confortável de Bilbo com a vasta paisagem mitológica do Silmarillion. No entanto, elementos da sua mitologia começaram a insinuar-se na obra. E se os acontecimentos da nova história se passavam evidentemente muito tempo depois dos do Silmarillion, então, já que as crônicas anteriores registravam a história da Primeira e da Segunda Era da Terra-média, parecia que “O Hobbit” estava destinado a ser um conto da Terceira Era.

O Hobbit é uma história para crianças. Apesar de tê-la integrado à sua mitologia, Tolkien não permitiu que se tornasse esmagadoramente séria ou mesmo adulta no seu tom, mas manteve a intenção original de divertir os próprios filhos.

A composição da história progrediu com fluência até próximo do fim, em que Smaug está prestes a morrer. E então, logo após ter descrito a morte do dragão, Tolkien abandonou a história. Na verdade, não escreveu mais nenhuma parte dela. Para os filhos, havia narrado uma conclusão improvisada da história, mas como os meninos estavam crescendo não havia motivo para terminar “O Hobbit”. Entre as poucas pessoas a quem foi mostrada “O Hobbit” estava uma estudante chamada Elaine Griffiths, que fora aluna de Tolkien.

A família Tolkien! Da esquerda para a direita: Christopher, Priscilla, Michael, Edith e o próprio J. R. R. Tolkien.

Ela foi empregada pelos editores George Allen & Unwin de Londres. Certo dia em 1936 um membro da equipe da Allen & Unwin veio a Oxford para falar sobre um projeto com Elaine Griffiths, era Susan Dagnall, sua conhecida. Por meio dela, soube da existência da história infantil que o professor Tolkien escrevera. Susan Dagnall encontrou-se com Tolkien e pediu-lhe o texto. Levou-o para Londres, quando mandou o texto de volta a Tolkien, pediu que o concluísse para que o livro pudesse ter sua publicação prevista para o ano seguinte.

Em 10 de agosto de 1936, Tolkien escreveu: “O “Hobbit” está agora quase terminado”. O trabalho foi concluído na primeira semana de outubro, e o texto datilografado foi enviado aos escritórios da Allen & Unwin com o título: “O Hobbit ou Lá e de Volta Outra Vez”. Stanley Unwin, presidente da empresa entregou “O Hobbit” a seu filho Rayner de dez anos, que o leu e escreveu: “este livro, com a ajuda de mapas, não precisa de nenhuma ilustração é bom e deve agradar a todas as crianças”. A despeito do que Rayner Unwin escrevera, decidiu-se que “O Hobbit” necessitava de ilustrações. Tolkien apresentou alguns desenhos que fizera para a história. A Allen & Unwin aceitou com prazer oito das suas ilustrações em preto e branco.

Embora Tolkien fizesse alguma ideia dos processos envolvidos na produção de livros, surpreendeu-se com o número de dificuldades e desilusões, na verdade continuaram a espantá-lo até o fim de sua vida. Em fevereiro de 1937, decidiu que teria de fazer substanciais revisões em várias partes do livro, pois enviara o original sem conferi-lo com a sua habitual minúcia, em poucos dias, as provas estavam cheias de alterações.

“O Hobbit” foi publicado em 21 de setembro de 1937. Alguns dias após sua publicação, o livro recebeu uma homenagem nas colunas do Times. Houve reações igualmente entusiasmadas de muitos outros críticos. A primeira edição de “O Hobbit” esgotou-se no Natal. Fez-se uma apressada reimpressão, na qual foram incluídas quatro das cinco ilustrações coloridas que Tolkien desenhara para o livro. A edição americana, publicada alguns meses depois, também recebeu a aprovação da maioria dos críticos e mereceu o prêmio de melhor livro juvenil da temporada do New York Herald Tribune.

Algumas semanas após a publicação de “O Hobbit”, Tolkien foi a Londres e almoçou com Stanley Unwin para discutir um possível sucessor do livro.Stanley soube que Tolkien queria publicar uma grande obra mitológica chamada Silmarillion, embora admitisse que não era muito adequada como sucessora das aventuras de Bilbo, Tolkien disse também que tinha várias histórias infantis, “Mr. Bliss”, “Mestre Gil de Ham” e “Roverandom”. Então pediu a Tolkien que mandasse todos os manuscritos ao seu escritório, uma vez lidos, as histórias infantis foram todas apreciadas, mas nenhuma delas era sobre Hobbits. “O Silmarillion” porém, constituía um problema mais complexo. O monte de manuscritos chegara à editora num estado desordenado.

Não há provas de que alguma parte do Silmarillion tenha sido lida pela Allen & Unwin. Stanley escreveu a Tolkien em 15 de dezembro de 1937: “O Silmarillion contém muito material maravilhoso é uma mina a ser explorada, infelizmente não satisfaz nossas necessidades plenamente”. Tolkien respondeu: “Minha principal alegria vem de saber que o Silmarillion não foi rejeitado com desprezo espero poder um dia publicar O Silmarillion! Independentemente, penso que sem dúvida, faz-se necessária uma continuação de “O Hobbit”. Prometo considerar o assunto”.

Em 19 de dezembro de 1937, escreveu a Charles Furth, membro da equipe editorial de Allen & Unwin: “Escrevi o primeiro capítulo de uma nova história sobre Hobbits”. Tolkien ainda não tinha uma ideia clara do tema da nova história, mas o anel afinal, era um elo com o livro anterior e um dos seus poucos elementos que não havia sido plenamente desenvolvido.

Stanley Unwin escreveu em 11 de fevereiro: “Vá em frente.” Tolkien sentiu-se incentivado, mas respondeu: “Acho fácil demais escrever capítulos de abertura – e no momento a história não está se desdobrando. Esbanjei tanto no ‘Hobbit’ que é difícil encontrar qualquer coisa nova naquele mundo.”

“As histórias tendem a descontrolar-se”, Tolkien escreveu a seu editor algumas semanas mais tarde. Inconscientemente Tolkien desviava seu conto do estilo de “O Hobbit” em direção a algo mais sombrio e grandioso e mais próximo em concepção ao Silmarillion. Tolkien começou a organizar suas ideias sobre o tema central do Anel, e as ideias finalmente começavam a fluir.

A família no jardim da Northmoor Road, por volta de 1936. Da esquerda para a direita: Priscilla, Michael, John, J. R. R. Tolkien e Christopher

Tolkien escreveu a Allen & Unwin em 31 de agosto de 1938, dizendo que o livro estava fluindo, e fugindo bastante ao controle. Então saiu em férias para Sidmouth com a família, lá trabalhou muito na história. Subitamente ocorreu-lhe uma ideia, e escreveu: “O anel de Bilbo demonstrou ser o um Anel dominante […]. O anel dominante que controlava todos os demais, o anel que era a fonte e o instrumento do poder de Sauron”.

Agora tudo se encaixava, e a história ascendeu à esfera do romance grandioso e heroico. Havia até um nome para ela. Quando escreveu novamente a respeito para a Allen & Unwin, Tolkien referiu-se ao livro como “O Senhor dos Anéis”.

Tolkien não queria realmente escrever mais histórias como “O Hobbit”. A nova história ligara-se firmemente ao Silmarillion, e iria adquirir a dignidade de propósito e o elevado estilo do livro mais antigo, em certo sentido, os Hobbits haviam saído do livro anterior e entrado na história por acaso. Mas agora, pela primeira vez, Tolkien percebeu o significado dos Hobbits na Terra-média.

Tolkien passou muitas horas do outono de 1938 dando prosseguimento à narrativa, geralmente trabalhava à noite, como era seu costume. Em outubro de 1938, escreveu a Stanley Unwin dizendo que a história estava “esquecendo as crianças e tornando-se mais aterradora que O Hobbit”. A história começara como uma mera continuação de “O Hobbit” por insistência do editor, mas agora o anel era para ele tão importante quanto os Silmarilli. Na verdade, agora estava claro que “O Senhor dos Anéis” era na verdade uma continuação de “O Silmarillion”.

Tolkien abandonara o tom relativamente coloquial dos capítulos iniciais por um modo de expressão que se tornava cada vez mais arcaico e solene. Era quase que inevitável, pois à medida que se tornava mais grandiosa em escala e propósito, assumia o estilo de “O Silmarillion”.

Muitos anos depois, Tolkien recordou que a composição de “O Senhor dos Anéis” sofreu uma interrupção de quase um ano no final de 1940, foi apenas o primeiro de vários atrasos. Quando voltou ao trabalho, Tolkien traçou linhas gerais para o fim da história.

No início, a Allen & Unwin esperava que a nova história estivesse pronta para publicação apenas alguns anos após o lançamento de “O Hobbit”. Mas Stanley Unwin continuou interessado no progresso do livro, e em dezembro de 1942 recebeu uma carta de Tolkien que relatava: “Está agora se aproximando da conclusão”, mas no verão de 1943, teve de admitir que estava “empacado”. Em parte, era a sua habitual busca da perfeição, em parte, o prazer puro da “subcriação”, a criação de nomes também ocupou muito a sua atenção, pois as línguas inventadas a partir das quais desenvolvia os nomes eram simultaneamente a mola-mestra da sua mitologia.

Além disso, havia chegado a um ponto em que a história se dividia em diversas cadeias de eventos independentes e complexos, e ele levara quase seis anos para trazer a história a tal ponto. Estava com cinquenta e um anos, cansado e temeroso de não conseguir realizar nada.

Certa manhã, acordou com um conto na cabeça e anotou-o às pressas. Era a história de um pintor chamado Niggle, um homem que, como Tolkien, “se preocupava” com detalhes. Na história, que recebeu a princípio o nome de “Folha de Niggle”, Tolkien expressou seus piores temores. Como Niggle, ele sentia que seria arrebatado da sua obra muito antes de tê-la concluído, se é que podia ser concluída neste mundo. A história levou meses para ser publicada, mas o próprio fato de escrevê-la ajudou-o a exorcizar parte do seu temor e a retomar a composição de “O Senhor dos Anéis”. No começo de 1944, O Senhor dos Anéis jazia intocado havia muitos meses. No início de abril, retomou o trabalho.

Christopher Tolkien fora recrutado pela Real Força Aérea e enviado à África do Sul para ser treinado como piloto. (Nesse ponto Humphrey coloca uma serie de cartas de Tolkien enviadas para Christopher contando relatos da história e o progresso do livro, das suas reuniões nos Inklings e a saudade que sentia dele).

Durante 1945 “O Senhor dos Anéis” progrediu pouco. No outono de 1945, Tolkien assumiu a Cátedra Merton de Língua e Literatura Inglesa, nessa época houve um afastamento gradativo por parte de Tolkien com relação a Lewis. É impossível dizer exatamente por quê, o próprio Lewis não tenha percebido a mudança e quando percebeu sentiu-se profundamente entristecido. Em parte, o afastamento pode ter sido acelerado pelas críticas às vezes severas que Lewis fazia a detalhes de O Senhor dos Anéis. Tolkien muitas vezes sentiu-se magoado, mas geralmente os ignorava. Além disso, a simples quantidade de livros infantis publicados por Lewis e a pressa quase indecente com que os produzia sem dúvida o deixavam irritado (As sete histórias de “Nárnia” foram escritas e publicadas em sete anos, menos de metade do período de gestação de “O Senhor dos Anéis”).

Com o fim da guerra “O Hobbit” foi reimpresso, e foram tomadas providências para a publicação de “Mestre Gil de Ham”. No verão de 1947, Tolkien decidiu que “O Senhor dos Anéis” estava suficientemente próximo da conclusão, mesmo assim, ele não conseguia terminar o livro. Revia e corrigia capítulos.

Nos meses seguintes “O Senhor dos Anéis” finalmente foi concluído. E Tolkien relembrou que “chorou de verdade”. E esse foi o fim, mas agora Tolkien tinha de rever, vezes e vezes até ficar plenamente satisfeito com todo o texto, e isto levou muitos meses.

Somente no outono de 1949 tudo ficou concluído, o próprio Tolkien não achava que a obra era isenta de falhas. Mas disse a Stanley Unwin: “Está escrita com o sangue da minha vida, tal como ele é, espesso ou ralo; e não posso fazer diferente.”

PARTE 6: 1949 – 1966 – SUCESSO

Bom, Tolkien levara 12 anos para terminar “O Senhor dos Anéis”, mas não sabia se queria publica-lo pela Allen & Unwin, ele se sentia ressentido com a editora por ter rejeitado “O Silmarillion” em 1937.

Assim, quando Milton Waldman da Editora Collins mostrou-se interessando em publicar ambos os livros, Tolkien sentiu-se bastante tentado. Milton Waldman, havia lido o manuscrito (agora organizado) de “O Silmarillion” e achou o livro notável e contanto que Tolkien o concluísse, tinha interesse em publica-lo. Assim tudo parecia acertado entre a Collins e Tolkien.

Ele então escreveu para a Allen & Unwin dizendo que “O Senhor dos Anéis” estava terminado e que na verdade não era uma continuação de “O Hobbit”, mas de “O Silmarillion” e que, portanto, teria que publicar ambos.

Stanley Unwin perguntou a Tolkien se os livros não poderiam ser divididos em três ou quatro volumes (“O Senhor dos Anéis” foi escrito de uma só vez como uma história única e contínua, um fato que Tolkien sempre fez questão de enfatizar, e não como uma trilogia como muitos acreditavam, inclusive eu, rsrsrs), ao que Tolkien disse que ou eram ambos ou nenhum.

Diante do ultimato de Tolkien Stanley Unwin desistiu da publicação. Tolkien, assim estava livre para publicar pela Collins.

Tudo parecia pronto para a assinatura do contrato e publicação de “O Senhor dos Anéis” e “O Silmarillion” assim que estivesse pronto, mas em maio de 1950 Waldman disse que “O Senhor dos Anéis” precisava de cortes, o que deixou Tolkien consternado.

Após vários problemas, em março de 1952 ainda sem assinar um acordo com a Collins, e sem “O Silmarillion” ainda concluído, Tolkien percebeu que “O Senhor dos Anéis” ainda estava longe de publicado, revoltado escreveu a Collins dizendo que ou publicassem “O Senhor dos Anéis” imediatamente ou mandaria o manuscrito de volta para a Allen & Unwin. Willian Collins escreveu que estava assustado com a extensão do livro, o que significaria uma despesa muito grande, e que de fato devolvesse para a editora anterior. Tolkien então humildemente escreveu a Rayner Unwin se ele ainda estava disposto a aceitar “O Senhor dos Anéis”.

Rayner Unwin não pensou duas vezes, e em setembro de 1952 veio a Oxford e apanhou o manuscrito, logo iniciou os custos de produção. Após cálculos e discussões chegou- se à conclusão de que realmente seria preciso dividir o livro em três volumes (o papel pós-guerra estava caro, e a editora não saberia se teria algum lucro com a venda de um livro tão grande), e com um acordo de divisão de lucros, ou seja, Tolkien receberia “metade dos lucros”, somente depois que as vendas do livro fossem suficientes para cobrir os custos. Claro que a Allen & Unwin não esperava vender mais do que alguns milhares de exemplares

Apesar dos transtornos de alguns pormenores, Tolkien conseguiu completar a revisão final do que viria a ser o primeiro volume de “O Senhor dos Anéis” em meados de abril, e mandou-a à Allen & Unwin para que dessem início à composição tipográfica. Logo depois entregou o texto do segundo volume.

Havia discutido com Rayner Unwin a questão dos títulos independentes para os três volumes, a editora achava melhor que os volumes fossem publicados sob diferentes títulos, Tolkien nunca se sentiu inteiramente satisfeito com isso. Mas, após muita discussão, ele e Rayner acabaram chegando a um acordo quanto aos títulos. O primeiro volume deveria ser publicado no verão de 1954, e os dois volumes restantes deveriam segui-lo depois de breves intervalos.

Fazia mais de dezesseis anos que Tolkien começara a escrever o livro, e agora finalmente aproximava-se o dia da publicação do primeiro volume.

“O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel”, foi publicado em agosto de 1954, as resenhas e as críticas no geral, foram bastante boas para promover o livro e as vendas, tanto que seis semanas após o lançamento foi pedida uma reimpressão.

O segundo volume, “As Duas Torres”, foi publicado em meados de novembro, e as resenhas foram semelhantes às do primeiro volume. E agora o terceiro volume, “O Retorno do Rei” era ansiosamente esperado, contudo, não poderia ser impresso enquanto não chegassem os apêndices, o mapa de Gondor e Mordor e índices de nomes.

Nos Estados Unidos, Houghton Mifflin publicara “A Sociedade do Anel” em outubro e, pouco tempo depois “As Duas Torres”. As resenhas americanas foram em geral cautelosas. Mas artigos entusiásticos de W. H. Auden no New York Times ajudaram as vendas, e um grande número de exemplares foi comprado pelos leitores norte-americanos.

Em janeiro de 1955, dois meses após a publicação do segundo volume, Tolkien ainda não completara os tão urgentes apêndices e abandonara qualquer esperança de fazer um índice onomástico. Em março, começaram a chegar aos escritórios da Allen & Unwin cartas dos leitores, queixando-se com veemência do atraso do terceiro volume.

Tornou-se evidente que o livro estava despertando um interesse incomum. Rayner Unwin suplicou a Tolkien que terminasse o trabalho, mas foi só em 20 de maio que o texto final dos apêndices chegou aos tipógrafos. Porém, foi somente em 20 de outubro, quase um ano após a publicação de “As Duas Torres”, que “O Retorno do Rei” chegou às livrarias.

Agora que todos os três volumes estavam publicados, os críticos foram capazes de avaliar globalmente “O Senhor dos Anéis”. Houve um coro de elogios e a essa altura, as opiniões estavam polarizadas. O livro conquistara seus defensores e seus inimigos, e, como escreveu W. H. Auden: “Ninguém parece ter uma opinião moderada; ou as pessoas, como eu, acham que é uma obra-prima no gênero, ou então não o suportam.” E assim seria pelo resto da vida de Tolkien: louvores extremos de uma facção, desprezo total da outra.

As vendas do livro aumentavam constantemente. Além de dinheiro, “O Senhor dos Anéis” estava trazendo a Tolkien um grande número de cartas de fãs. A Allen & Unwin começara a negociar traduções de “O Senhor dos Anéis” em línguas estrangeiras. Nos anos que se seguiram “O Senhor dos Anéis” foi traduzido para todas as principais línguas europeias, e para muitas outras. As vendas de “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis” continuaram a subir.

“As aventuras de Tom Bombadil” e “Árvore e Folha” são publicados respectivamente em 1962 e 1964.

No início 1965, soube-se que um editor americano, planejava lançar uma brochura não autorizada de “O Senhor dos Anéis”, certamente sem pagar royalties a Tolkien. Em virtude do estado confuso dos direitos autorais americanos naquela época.

Em junho, fora lançada aquela que Tolkien e outros consideravam como uma edição americana “pirata” de “O Senhor dos Anéis”. A editora era a Ace Books, e fora produzida com certo cuidado, de modo geral, reproduzia com precisão o texto de Tolkien – ridiculamente até, pois incluía a promessa de um índice onomástico no prefácio e o pedido de desculpas pela sua ausência no final do livro. A Ace já era bem conhecida como editora de ficção científica, e evidentemente muitos iriam comprar a sua edição.

Em outubro de 1965, a brochura “autorizada” de “O Senhor dos Anéis” foi publicada nos Estados Unidos, em três volumes, incorporando as revisões de Tolkien. Cada exemplar levava uma mensagem de Tolkien: “Esta edição em brochura, e nenhuma outra, foi publicada com o meu consentimento e a minha cooperação. Aqueles que aprovam a cortesia (ao menos) a autores vivos comprarão esta, e nenhuma outra.

Isto, porém, não produziu efeito. Então, por iniciativa própria, Tolkien começou a incluir em todas as suas respostas a leitores americanos uma nota informando que a edição da Ace não era autorizada, pedindo que contassem isso aos amigos. A medida logo produziu um efeito notável. Não apenas os leitores americanos começaram a recusar-se a comprar a edição Ace, mas também exigiram, muitas vezes em termos violentos, que as tirassem das prateleiras.

Um fã-clube, recentemente formado, “The Tolkien Society of América”, entrou na batalha, e quando a causa foi abraçada pelos membros da “Science Fiction Writers of América”, a Ace Books escreveu a Tolkien, propondo o pagamento de royalties sobre cada exemplar que havia vendido, e prometendo não realizar nenhuma reedição depois que se esgotassem os estoques existentes. A disputa atraíra considerável publicidade, e o nome de Tolkien e os títulos de seus livros passaram a ser amplamente conhecidos nos Estados Unidos.

“O Senhor dos Anéis”, rapidamente alcançou a marca de um milhão de livros vendidos. Para centenas de milhares de jovens norte-americanos, a história da viagem de Frodo com o Anel tornava-se agora O Livro, ultrapassando todos os best-sellers anteriores.

Ramificações da Tolkien Society multiplicaram-se da noite para o dia na Costa Oeste e no Estado de Nova York, e acabaram por transformar-se na “Mythopoeic Society”, que também se dedicava a estudar as obras de C. S. Lewis e Charles Williams.

Os escritos de Tolkien começaram a adquirir respeitabilidade nos círculos acadêmicos americanos, e tornaram-se objeto de teses. O fogo deste entusiasmo americano espalhou-se por outros países. Mais ou menos ao mesmo tempo, o interesse pelos livros de Tolkien registrou um nítido aumento na Grã-Bretanha, como reflexo do culto que surgira nos Estados Unidos. Uma Tolkien Society começou a se reunir em Londres e em outros pontos do país.

As vendas dos livros continuaram aumentando, e ao que parece no final de 1968 aproximadamente três milhões de exemplares de “O Senhor dos Anéis” haviam sido vendidos no mundo todo.

No início de 1968 a BBC fez um filme sobre Tolkien, intitulado: “Tolkien em Oxford”, ele atuou sem inibições diante da câmara, e divertiu-se um pouco. No entanto, essa espécie de coisa, de modo geral, não era do seu agrado.

PARTE 7: 1959 – 1973 – ÚLTIMOS ANOS

É interessante notar a surpresa de Tolkien com o estrondoso sucesso de suas obras, principalmente nos Estados Unidos, onde seus livros viraram febre. Tolkien ficou encantado que os leitores se entusiasmassem com as histórias, mas não entendia por que tinham de fazer tanto alvoroço. Ele tinha de enfrentar pilhas de correspondência dos fãs e presentes de todos os tipos: pinturas, esculturas, taças, fotografias, etc. A casa onde agora moravam, já estava atulhada de livros e papéis, e começava agora a transbordar de presentes. Tolkien passava dias escrevendo cartas de agradecimento.

À medida que Tolkien envelhecia, muitas de suas características tornavam-se mais marcantes. A maneira apressada de falar e a má articulação ficaram mais pronunciadas. De certa maneira, achava a velhice profundamente penosa, entristecia-se com a consciência do declínio do seu vigor, e em 1965 escreveu: “Acho difícil trabalhar – começando a me sentir velho, o fogo se extinguindo.”

Dessa época em diante, passava a maior parte da vida em casa. Isto ocorria principalmente por necessidade, pois preocupava-se intensamente com a saúde e o bem-estar de Edith, e, como ela tinha cada vez mais dificuldades para se movimentar, sentiu que seu dever era ficar com ela tanto tempo quanto possível.

Finalmente, após quatro décadas a serviço de Oxford, se aposentara, e encarava a perspectiva de dedicar todo o seu tempo especialmente a completar “O Silmarillion”, que a Allen & Unwin estava agora ansiosa para publicar e pelo qual já havia esperado por vários anos.

Inevitavelmente, dado o seu hábito de realizar alterações drásticas, decidiu que todo “O Silmarillion” precisava ser reformulado e deu início à árdua tarefa, muitos dos seus dias se passavam desta maneira.

Em 22 de Novembro de 1963, C. S. Lewis faleceu com sessenta e quatro anos. Alguns dias mais tarde, escreveu à sua filha Priscilla: “[…] como uma velha árvore que perde todas as suas folhas, uma a uma: sinto isto como um golpe de machado perto das raízes.”

Após a morte de Lewis, Tolkien começou um diário, algo que não fizera por muitos anos. Em um deles escreveu: “Não consigo produzir nada, […] O que hei de fazer? […] Deus me ajude!”

Assim como seu desespero, quando não conseguia terminar “O Senhor dos Anéis”, dera origem a “Árvore e Folha”, a ansiedade em relação ao futuro e a crescente dor pela chegada da velhice o levara a escrever “Ferreiro de Bosque Grande”. Ele dizia que “Ferreiro” era “a história de um velho, recheada com o presságio de perda”.

Como o Ferreiro que engole uma estrela mágica e assim obtém um passaporte para o mundo encantado, Tolkien havia, na sua imaginação, perambulado longamente através de terras misteriosas, mas agora sentia a aproximação do fim, e sabia que logo teria de entregar sua própria estrela. Foi a última história que escreveu, e a última publicada em vida, em 1967.

Aposentado, e pela primeira vez com bastante dinheiro, nunca gastava descuidadamente, apesar de generoso com a riqueza recém-adquirida, tinha o costume de vigiar cada tostão gasto, ao ponto de registrar em seu diário as menores despesas. Tinha o conceito de família como algo muito importante, coisa que tanto Tolkien como Edith mal haviam conhecido quando crianças e se encantavam bastante com a visita dos filhos e netos.

Em 1968 mudaram-se para Bournemouth, Edith adorou a cidade e fez muitos amigos, ao contrário de Tolkien que não se sentia muito feliz, não apreciava o tipo de pessoas que por lá viviam. Apesar de achar que isso envolvia muito sacrifícios seus, Edith estava realmente feliz, mais feliz do que qualquer outro período de sua vida, e isso lhe dava tanta satisfação que refletia em seu próprio estado de espirito.

Começou novamente a trabalhar com afinco em “O Silmarillion”. Humphrey nos diz que em certo sentido, havia muito pouco a fazer. A história estava completa, mas para produzir uma narrativa contínua, Tolkien precisava apenas decidir qual versão de cada capítulo usar, pois existiam a essa altura muitas versões, que incluía textos produzidos em 1917, até alguns escritos nos últimos anos. E, mesmo que conseguisse completar esta parte da obra, teria depois de assegurar-se da coerência do livro como um todo.

Às vezes ficava na escrivaninha por horas a fio, mas, certos dias, deixava tudo de lado. Podiam esperar pelo livro. Ele não tinha pressa! Em outros dias ele se afligia porque o tempo se escoava tão depressa e o livro estava ainda “inacabado”.

Porém no final de 1971, Edith teve uma inflamação na vesícula biliar. Já no hospital, após alguns dias de grave enfermidade, faleceu na manhã da segunda-feira, 29 de novembro aos oitenta e dois anos de idade…

Tolkien e Edith

Algum tempo depois que Tolkien começou a recuperar-se do choque da morte de Edith, o Merton College o convidou a tornar-se membro residente honorário e ofereceu-lhe um conjunto de aposentos numa casa do colégio na Merton Street, onde um scout e sua esposa poderiam cuidar dele.

Sofrera muito com a perda de Edith, e agora era essencialmente um homem solitário. No entanto, fazia visitas frequentes ao filho Christopher, e também chegou a passar uma temporada com Priscilla.

Quanto ao “O Silmarillion”, mais uma vez os meses passaram sem muitos resultados concretos. Alguns anos antes decidira que, caso morresse antes de terminar o livro, Christopher deveria completá-lo já que naturalmente conhecia bem a obra. (Ele e Christopher frequentemente discutiam o livro, considerando os inúmeros problemas que precisavam ser resolvidos).

Humphrey nos diz que era quase certo que Tolkien não esperava morrer tão cedo, ele havia dito certa vez a uma de suas alunas que havia uma tradição de longevidade entre seus antepassados, e que acreditava que viveria por muitos anos mais.

Durante o verão de 1973, algumas das pessoas mais próximas começaram a achar que estava mais triste do que o normal e parecia estar envelhecendo mais depressa. Na terça-feira, 28 de agosto, ele foi para Bournemouth para hospedar-se em casa de Denis e Jocelyn, o médico e esposa que haviam cuidado dele e de Edith durante a sua permanência na cidade.

O fim foi repentino. Na quinta-feira durante a noite sentiu dores, e na manhã seguinte foi levado a um hospital particular onde foi diagnosticada uma úlcera gástrica com hemorragia aguda. No sábado, manifestou uma infecção no peito e, na manhã de domingo, 2 de setembro de 1973, Tolkien faleceu com oitenta e um anos…

Tolkien não viveu o bastante como acreditava que viveria para concluir “O Silmarillion”, aquela que foi considerada por ele sua maior obra, ela foi publicada somente em 1977 (4 anos após sua morte) por seu filho Christopher Tolkien como havia desejado anos antes.

POSFÁCIO

Como podemos ver, assim como sua vida, Tolkien foi um homem simples de classe média, professor universitário, pai e esposo devotado, um homem muito católico, um perfil que nada tem de extraordinário. Então, como relacionar uma vida tão trivial com a imaginação que criou “O Senhor dos Anéis”? Humphrey lança esta pergunta sem obrigação de respondê-la, afinal seu objetivo não consiste em explicar porque ele escreveu seus livros, mas saber um pouco mais sobre o homem que os escreveu, nada mais característico das lições que os escritores legaram aos historiadores na arte de escrever biografias.

Assim, mesmo no fim, somos lembrados da antítese entre a sua vida, tão comum, e a extraordinária imaginação que criou sua mitologia. De onde veio ela, essa imaginação que povoou a Terra-média com Elfos, Orcs e Hobbits? Qual foi a fonte da visão literária que mudou a vida desse obscuro estudioso? E por que essa visão atingiu de tal maneira as mentes e harmonizou-se com as aspirações de inúmeros leitores em todo o mundo?

Tolkien acharia que essas são perguntas que não têm resposta, não pelo menos num livro desta espécie. Ele reprovava a biografia como recurso de apreciação literária e talvez tivesse razão. Sua verdadeira biografia é “O Hobbit”, “O Senhor dos Anéis”, “O Silmarillion”, pois a verdade sobre ele está dentro de suas páginas.

Sua missa de réquiem foi celebrada em Oxford quatro dias após sua morte, na simples igreja de Headington que ele tanto frequentara. As orações e leituras foram escolhidas especialmente por seu filho John, que oficiou a missa assistida pelo velho amigo de Tolkien, o Padre Robert Murray.

Não houve sermão nem foram lidos trechos de suas obras. No entanto, algumas semanas mais tarde, quando um serviço religioso em sua memória foi celebrado na Califórnia, por admiradores norte-americanos, seu conto “Árvore e Folha” foi lido diante da congregação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tolkien e Edith foram enterrados no cemitério de Wolvercorte, Oxford, Reino Unido, numa simples sepultura de granito cinzento onde se pode ler na inscrição: Edith Mary Tolkien, Lúthien, 1889-1971. John Ronald Reuel Tolkien, Beren, 1892-1973.

J. R. R. Tolkien – Uma biografia, é o livro que todo verdadeiro fã de Tolkien precisa ter ou ao menos ler, é uma obra para se apreciar, uma obra para se conhecer um pouco da vida desse homem que viveu de forma verdadeira e simples e que revolucionou a literatura ao criar não só uma mitologia, mas um legado.

Como disse no começo da resenha, esta edição da Harper Collins é simples, porém linda, tem um charme clássico, há esmero em cada detalhe: a capa dura revestida em tecido com o dragão e montanhas em verde e branco (relacionado com uma das conversas de Tolkien com sua mãe). A folha de guarda em dourado e branco, a diagramação do interior cheio de detalhes, com a frase do Um Anel e a bela caligrafia da assinatura de Tolkien em cada início de capitulo, mostra o cuidado da editora com a obra.

Há um capitulo que fala sobre fotografias, então se eu pudesse colocar só uma observação, diria que faltaram fotografias, algo que daria uma visão do que o autor queria nos mostrar. Mas o livro é tão perfeito que de um modo geral realmente não faz falta, só seria interessante se as tivessem.

O livro é bem fluido, você começa a ler e não dá vontade de parar, Humphrey tem uma narrativa leve e brilhante e uma escrita inteligente e envolvente o que torna a leitura muito gostosa.


Livro: J. R. R. Tolkien – Uma Biografia

Autor: Humphrey Carpenter

Editora: Harper Collins

Páginas: 384

Nota: 5/5