PSICANÁLISE E UNIVERSIDADE 1 – ENSINAR E TRANSMITIR


OBS: Texto de autoria do professor Hélio Miranda Jr. postado em seu site E Pur Si Muove em 11 Dez 2020 e replicado no Lorde dos Livros com autorização do autor.


Ensinar psicanálise na universidade ou, para ser mais correto, ensinar teoria psicanalítica na universidade é possível? A primeira resposta seria: evidente que é. Precisamos, porém, refletir um pouco mais.

Bem, por onde começar? Talvez pela pergunta: o que os universitários querem de um professor? A primeira resposta é: receber conhecimentos, aprender. Sabemos que essa não é a resposta mais apropriada atualmente. Hoje, quando o professor encontra alunos que querem aprender, muitas vezes fica contente por encontrar um par, um interlocutor apropriado para a função que se dispôs a exercer. Isso porque muitos alunos querem apenas cumprir um trajeto legalmente estabelecido para obter um título que os nomeie e permita determinada inserção social. Não se trata aqui da nostalgia de um tempo em que alunos gostavam de aprender ou que o esforço de estudar possuía reconhecimento social. Sempre houve alunos e alunos. Trata-se de introduzir a questão do desejo de aprender.

E quando um lado quer aprender, o outro oferece saber. Aprender é assimilar articulações significantes e procurar se localizar nelas e por elas, aplicando-as ao mundo a partir de um certo cálculo. É o que fazemos desde que nascemos, quando somos inseridos no oceano simbólico. O saber que recebemos do Outro é fundamental para a nossa constituição de sujeito, tanto quanto o enigma que ele porta e que reporta à sua incompletude. O saber aliena, mas sem ele não há sujeito.

A articulação significante representada por uma teoria modifica o mundo vivido. A criação freudiana do conceito de inconsciente é um exemplo disso. Neste sentido, a psicanálise é uma teoria que aponta fenômenos e indica interpretações da realidade a partir de uma lógica própria. Por isso pode-se dizer que a psicanálise tem uma estrutura interna herdada da ciência e produz um saber que pode ser compartilhado.

O quadro representa uma aula de Charcot sobre a histeria, um dos professores que marcou de forma importante a trajetória de Freud.

Chegamos então à pergunta: com relação à psicanálise, que saber pode ser compartilhado? O saber oriundo da experiência analítica não universaliza da forma como os outros saberes científicos. Aquilo de que se trata em uma análise propriamente dita não se reduz aos conceitos teóricos que articulam o manejo da experiência. Há um cálculo possível no registro simbólico, na articulação significante que determina o sujeito, mas os fenômenos não se conjugam e não se sucedem no modelo de previsibilidade próprio do discurso científico dominante, mesmo com as formalizações lacanianas derivadas do intuito de aproximar psicanálise e escrita científica.

O fato é que a singularidade com a qual a psicanálise procura lidar introduz uma imprevisibilidade que não se coaduna muito bem com o ideal moderno de ciência. Então, apesar da alienação à cadeia significante – à Ordem simbólica – ser a possibilidade que temos de nos sustentarmos como sujeitos, a concepção de sujeito com a qual a psicanálise trabalha requer também a operação de separação, relacionada justamente à impossibilidade de tudo nomear, à incompletude que esta mesma ordem porta e que se liga ao desejo do Outro.

Imprevisibilidade, singularidade, teoria. Termos que nem sempre se encaixam muito bem no ideal científico moderno. Porém, a universidade tem sido um lugar para a psicanálise. Na verdade, um lugar privilegiado em que a teoria psicanalítica pode ser questionada em suas bases por meio do diálogo com outros discursos ou entre suas próprias vertentes. Por isso, é preciso conseguir refletir – como tarefa interminável – sobre aquilo que da psicanálise pode ser transmitido na universidade.


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