VERNON GOD LITTLE, UMA COMÉDIA NA PRESENÇA DA MORTE – DBC PIERRE

“Sabe Deus que tentei da melhor maneira possível aprender os modos desse mundo, até mesmo tive uma vaga ideia de que podíamos ser maravilhosos; mas, depois de tudo o que aconteceu, deixou de ser fácil ter ideias. O que quero dizer é… que porra de mundo é este?”


SINOPSE

Martírio é uma cidade fictícia perdida no meio do Texas, um cenário bizarro onde acontece um dos crimes mais hediondos e comuns da atualidade: Jesus, um garoto de 16 anos, mata seus colegas de escola e depois comete suicídio. Vernon, o melhor amigo do adolescente, é acusado de ser cúmplice desse homicídio em alta escala. E tem de provar para a imprensa e para toda a comunidade que não participou do massacre, antes de ser confinado no corredor da morte.

Ao escrever a história de Vernon Gregory Little, um personagem fascinante e irreverente, DBC Pierre tece um crítica atroz à sociedade de controle e de consumo, que torna os indivíduos reféns de si mesmos em nome do progresso e de falsas moralidades. O leitor entra em contato com a profunda crise de valores da sociedade norte-americana e com o desespero de toda uma geração, cujo climax acaba criando heróis improváveis.


No mundo de hoje, onde tudo é exposição e somos constantemente (pre)jugados, pelo que fazemos ou dizemos, onde intransigentemente cada ato é duramente criticado e não se pode ter opinião própria ou manifestar o que se pensa. DBC Pierre chega pra dizer de forma direta, irônica, crua, até onde pessoas e governos são capazes de transformar e destruir vidas inocentes. Em vários momentos no livro é fácil ver como a mídia manipula cada gesto, cada fato, cada ato, bem como os valores de uma sociedade se tornam distorcidos através dos ganhos que isso causa a seus indivíduos.

– Não é? As pessoas mentem, sem mesmo pensar nisso, como parte do seu dia-a-dia: “Professor, eu acordei com febre”. E depois passam o resto de suas vidas falando pra você não mentir…”

Vernon Gregory Little é um típico adolescente no auge dos seus 15 anos, caladão e drogado. Consegue ser irônico e desbocado o tempo todo (muitas vezes você vai ler um “porra”, mas logo se acostuma), mesmo nos piores momentos.

Vernon é um daqueles personagens que você simpatiza de imediato, ri junto e sofre junto, as vezes ele é tão inocente e idiota que dá raiva, mas também com a mãe que tem (passa o livro todo se preocupando com uma geladeira que não chega nunca, do que com o próprio filho ou sua inocência e como ele mesmo diz, parece existir apenas para esfaqueá-lo emocionalmente pelas costas), ele até que cresceu decentemente, porém não sem alguns problemas (ele tem muitos diálogos internos sobre sexo ou roupas intimas), apesar disso ele é tão carismático que você acaba se apegando e torce por ele desde a primeira página. É quase impossível não gostar dele.

Sobrevivente do massacre escolar que abalou a cidade fictícia de Martírio, no Texas, realizado pelo seu melhor amigo Jesus Navarro, passa a ser visto como cúmplice e ajudante. Uma vez que Jesus se suicidou após os assassinatos e muitos queriam ter em quem pôr a culpa, Vernon então, é perseguido pela mídia, através do oportunista Eulálio Ledesma (ou Lally, como é conhecido), um “suposto repórter” que se aproxima da mãe Vernon (com quem acaba tendo um caso), e que coloca a toda a cidade e a polícia contra o nosso protagonista.

Tentando entender tudo o que está acontecendo à sua volta, e desejando provar para todos que não teve nada a ver com o assassinato de seus colegas, acaba fugindo para o México, aumentando as suspeitas sobre ele o fazendo parecer culpado.

Capturado é preso e levado a julgamento como serial killer.

“- Como se sente em relação a nós, os humanos?

– Droga, não sei mais. Todo mundo vive vociferando seus direitos, e essas coisas, e dizem, “prazer em te ver”, mas preferem ver você no rio, com a garganta cortada. É isso que eu sei.”

Ledesma faz de sua prisão um circo e transforma os detentos em participantes de um reality show. Vende os direitos de transmissão de seu julgamento e sua execução, aliás, o julgamento mais se parece a uma grande farsa, um show de horrores que em nenhum momento parece querer de fato fazer justiça ou buscar a solução do caso. Vernon é acusado sem provas e apesar da inocência ele não consegue se livrar das acusações.

DBC Pierre, ironicamente nos mostra a maneira perigosa como a mídia se torna a construtora do nosso pensar e nos conduz à estupidez cotidiana das notícias fabricadas. Somos levados através das opiniões que ela forma, a julgar, condenar ou absolver pessoas sem ao menos pensar sobre a questão, o telespectador, leitor, ouvinte é “adestrado” muito mais a crer e sentir do que a compreender.

Na maioria dos casos, não há a busca da verdade, e sim, interesses próprios ou lucros.

No romance, a própria cidade de Martírio (dita como a capital do molho de churrasco), começa a “prosperar” com o massacre e a perseguição a Vernon.

Com um final surpreendente e inesperado, Vernon God Little é um livro que vale a pena ser lido, sua história é marcante, tem uma linguagem um pouco complicada, em alguns momentos tensa ao atacar alguns dos grandes problemas da cultura norte-americana e de grande maioria dos países: consumismo, drogas, obesidade, alienação, manipulação da mídia, problemas familiares, bullying, violência escolar, preconceito…

DBC Pierre parodia e desmonta o então perfeito estilo de vida norte-americano através de seus personagens, sempre com uma pitada de humor e frases desconcertantes.


Livro: Vernon God Little

Autor: DBC Pierre

Editora: Record

Páginas: 384

Nota: 4/5